Questões do Real e da Realidade

 

Questões do Real e da Realidade

“Déficits fiscais e alto endividamento criaram crescimento artificial na Europa. Não será fácil voltar a um crescimento real, com genuínas reformas estruturais.” – Vito Tanzi(*)
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A bússola do governante é um instrumento que aponta para o futuro com base em supostos aprendizados no passado.

Por isso vemos a adoção de políticas cambiais e de taxas de juro como indicadores de rumos seguros a seguir, passando ao largo das turbulências da inflação. Parece, na realidade, um brinquedo colocado nas mãos de aprendizes de magia, que se comprazem em buscar as justificativas para as questões que saem de “seu controle”.

Faz algum tempo que o Estado adotou, por conta de seus governantes e aprendizes de magia, uma posição de total desatenção às questões fiscais, justificando-a pelo posicionamento social, que atende aos mais necessitados e nivela o crescimento de todos pelas oportunidades que são criadas.

Claro que esse tipo de política é extremamente popular, especialmente durante o período em que estiver ocorrendo ganho real aos eleitores e mantido seus empregos com benefícios também crescentes.

Só que um saque a descoberto, feito com base na expectativa de que o ajuste necessário será realizado no momento oportuno (e acatado por todos), tem um limite. E ele ocorre por conta de políticas econômicas fundadas mais na busca do populismo fácil, onde o “crescimento” é falso e nem um pouco sustentável.

Medidas superficiais, como as que vêm sendo implementadas causam um grave estrago no futuro imediato, por algumas das seguintes razões, dentre outras:
a)    A elevação da taxa de juros favorece exclusivamente uma parte dos agentes econômicos, retirando significativos recursos do Estado (pela necessidade de rolagem da dívida) e inibição do investimento pelas entidades privadas, até pela oportunidade da melhor remuneração do capital com um risco mais controlável.
b)    O controle do câmbio causa a incerteza e promove uma grave desnacionalização da indústria do país, diminuindo a oferta de emprego.
c)    Durante a fase de crescimento há, naturalmente, uma queda nos índices de desemprego, trazendo aos contratantes uma carência de profissionais habilitados para o trabalho num patamar de alta competição.
d)    A seletividade do crédito provoca uma freada no consumo, elevando os custos de produção e reduzindo o volume de arrecadação e continuidade do crescimento econômico.
e)    As Bolsas de Valores continuaram a registrar oscilações de alguma alta em contrapartida a continuadas perdas.
f)    A ausência de um programa de capacitação dificultará a ocupação de postos de trabalho pelos brasileiros, de um modo geral. O tal apagão da mão-de-obra ocasionará a “importação” de técnicos estrangeiros.

Há muitos outros sintomas causados nestes momentos de realização de “mágicas econômicas” dos governantes. Todos eles de olho nas indicações de sua bússola, a qual imaginam serem precisas.

Quando um plano econômico é elaborado, naturalmente entendemos que seus criadores o vêem como infalível e que todos os agentes envolvidos no afinamento das várias métricas terão desempenho dentro do grande cenário de acordo com os parâmetros imaginados.

Como o Estado tem uma parcela preponderante de participação e influência no mercado – especialmente pela sua regulação – cria-se uma larga faixa para as “falhas de mercado”, que são geradas pela própria ação do Estado, no momento de sua divulgação. Essas falhas causam as distorções nos resultados esperados, ou ocasionam ondas que irão provocar distorções de variadas naturezas mais adiante.

A Política Fiscal adotada pelo Governo Brasileiro, por ocasião da crise de 2008, ajudou, de fato, a sustentar a demanda doméstica. Só que o país voltou a crescer e as medidas adotadas naquela ocasião permaneceram. Ficaram: a pressão sobre o gasto público, o déficit e a dívida...

As metas do orçamento fiscal devem ser sempre muito bem analisadas. Há uma forte tendência de perda de controle sobre a perpetuidade de gastos, que são sempre crescentes.

Para que não fiquemos à mercê do mercado internacional e tenhamos um crescimento sustentável será necessária a adoção de medidas fundamentadas em profundos estudos e análises de tendências. Tomando emprestada a varinha mágica do aprendiz de feiticeiro ouso imaginar os reflexos de algumas das seguintes medidas: 

  • Simplificação da forma de apuração dos tributos, cujas bases de cálculo deixariam de ser um exercício à loucura
  • Programação de redução dos tributos, de forma escalonada, num percentual a ser definido (imagino uma redução em torno de 40%, quando a participação dos tributos no PIB chegando aos 20% ou 25%). Essa redução traria maior competitividade aos produtos manufaturados e destinados à exportação
  • Rever aspectos de não tributação das exportações “in natura”. Todos perdem com essa política. Exportação de minério, de soja a granel e demais commodities que não agreguem valor, deverá ser tributada para incentivar a economia interna, especialmente dos estados da federação
  • Da mesma forma deverá ser revista a taxação sobre a exploração de minérios do subsolo
  • A aquisição de máquinas e equipamentos destinados à produção estaria isenta de tributos, promovendo um desenvolvimento no segmento de bens de produção e a modernização do parque industrial
  • Um ajuste fiscal deverá ser efetuado, ao menos na mesma proporção da redução da massa dos tributos
  • Para controlar ameaças de elevação da inflação a taxa de juros, mantida em patamares internacionais, seria elevada ao mercado por uma cunha tributária, com a elevação do IOF nas operações financeiras de crédito
  • Iniciar o processo de investimentos em infraestrutura mediante a aplicação das normas às Parcerias Público Privadas (PPP’s)
  • Pautar a valorização do Real com base em uma cesta de moedas, não apenas o Dólar norte americano

Será que a conjuntura atual, na qual há pessoas (em vários países) sofrendo severas restrições por conta da falta de ajustamento adequado de seus orçamentos fiscais, tende a “influenciar” ao menos um pouco a agulha da bússola de nossos mágicos aprendizes?


(*) Assim como o brasileiro Arthur B. Laffer (a Curva de Laffer); o argentino Júlio Oliveira (efeito Oliveira); o italiano Vito Tanzi desenvolveu o chamado ‘efeito Tanzi’ que mede a relação entre curvas de preços e receitas tributárias do Estado.
 

Antonio Carlos Pedroso de Siqueira – auditor independente, sócio da SIQUEIRA & ASSOCIADOS - Auditores e Consultores, professor de auditoria e controladoria, acadêmico da Academia de Ciências Contábeis do Paraná, Delegado do IBRACON em Curitiba

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